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PEQUENAS ELEGIAS - 2020/2021

Escavar, fragmentar, dilacerar imagens fotográficas é movimento análogo ao esforço por acessar os labirintos insondáveis do inconsciente. Quando iniciamos a operação de interpelar cirurgicamente as imagens, nunca sabemos o que irá se revelar. Por trás da derme fotográfica está segredado o mistério do tempo, o oco das paixões, o avesso da existência, os abismos das incertezas, o temor absoluto do vazio, do incompreensível e superlativo nada.

Bia lida com o paradoxo da falência do projeto positivista da fotografia em legitimar e certificar a existência daquilo que por natureza é fugaz. Parece o tempo todo interrogar-se: se tudo é evanescente, se tudo irá fatalmente se desmanchar no ar, porque essas fotografias teimam em querer eternizar o que está fadado ao inexorável desaparecimento? Se não faz sentido perpetuar a memória do que é por natureza imemorial, o trabalho de Bia parece querer constatar que essas fotografias seguem preservando unicamente a memória de si mesmas e não de outrem. Logo, há um corpo, uma esfinge inabalável no suporte fotográfico que no detido exame de corpo delito feito pela artista, demonstra não pagar dividendos ao corpo, paisagem ou objeto retratado outrora. Esses elementos lhe serviram de mero acaso - devaneio desses seres que agonizam no fluxo de suas vidas voláteis - para que existisse não a memória fotográfica de alguém ou algo, mas unicamente do seu próprio corpo-suporte. Finda a existência simbólica dessa imagem no meio social que a gerou, o corpo-suporte da imagem segue definitivamente livre, em seus espasmos de desejo de eternidade, vagando pelo mundo em sua aventura cega. Cega, pois como Bia nos mostra, esses corpos-suportes autopsiados mais ocultam seus desígnios que revelam. Antes de formar um todo compreensível, eles parecem cacos de uma implosão simbólica que urge por uma nova lógica que os conecte.

O que fica? Pergunta a artista para uma justaposição de fragmentos oriundas de um tecido esgarçado que ela sobrepõe em quadrados. Capturar uma pequena parcela da imagem fotográfica para então ampliar, ampliar e ampliar, como quem busca informações visíveis apenas em microscópios, é desejo patente de entender o segredo da constituição primária de um corpo. O que fica então? O que fica quando a razão existencial da imagem finda e resta esse corpo vago de significação? O que resiste? O que insiste? Porque as fotografias não se apagam quando o que lhes dava sentido se esvai? Porque insistem? Nesse esgarçamento do tecido fotográfico que Bia opera na busca dessas respostas temos em princípio uma imagem que parece vista por microscópio. Então vemos uma junção de pontos irregulares que se distanciam quanto mais a artista avança sobre eles. A constatação paradoxal é de que ao mesmo tempo em que chegamos mais próximo do DNA, do cromossomo desse corpo misterioso que pode revelar o segredo de sua origem, alcançamos também o seu avesso e constatamos que ao mesmo tempo estamos investigando a menor partícula possível, ela se expande e nos traz a imagem e semelhança de uma constelação de átomos. Então não se trata mais de uma visão traduzida pelo microscópio, mas sim, por um telescópio que investiga a formação das galáxias, das constelações e seus asteroides a vagar no espaço sideral.

Eis que quando estávamos prestes a desvendar o mistério da existência desses corpos fotográficos, eles subitamente retornaram a ser o que sempre foram: emanações fotossensíveis de um desejo interrompido de eternidade. O que fica, então, é o eterno recomeço, os ciclos que não cabem a nós entender, mas apenas ser atores de um enredo pré-determinado pelos astros. As fotografias insistem porque, elas espiam o infinito onde principia o que erroneamente chamamos de fim. 

Eder Chiodetto

                                                                                                                                                                

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